domingo, 26 de fevereiro de 2012

Inventário da minha Velhice

Eu não tenho medo de ficar velha. Não tenho medo da velhice. Rugas virão. Eu perderei um pouco da minha memória. Vou tornar-me repetitiva. Contar a mesma história 5 vezes como meus avós faziam. Mas há algo que eu não quero perder quando eu ficar velha: a vontade de seguir e de viver.

Eu não me importo de não ter uma aposentadoria gorda se vc me garantir que eu terei saúde. Quero ser uma velha assanhada, não daquelas que cantam os menininhos, mas quero ser aquela que vai ao baile da terceira idade com o vestido mais bonito do armário de batom e unhas vermelhas.

Eu vou viajar. Muito. Vou pra Balneário Camboriú de ônibus com outras amigas e vou parcelar em 10 vezes. Levarei minha caixinha de remédios numa nécessaire fashion. Aprenderei novas tecnologias com meus netos. Vou fazer o meu tempo porque não saberei quanto tempo terei mesmo.

Eu vou fazer esportes. Entrarei pro clube da caminhada. Farei tai chi chuan no final da tarde. Assistirei todas as peças de teatro e não sairei do cinema. Encherei a boca pra dizer que tenho 65 anos e quero o meu desconto. Não negarei nada que me idade me permita. Ainda que eu não ande de ônibus, vou fazer a carterinha.

Pegarei a senha preferencial e danem-se as caras feias. Vou à noite da seresta, mesmo que eu nem saiba quem é o artista. Irei mais ao salão de beleza do que os consultórios médicos. Tomarei o meu remédio para os ossos para não perder nenhum baile. Tomarei o meu remédio para pressão para não incomodar meus filhos. Usarei óculos de grau, mas coloridos, modernos, chiquérrimos.

Continuarei chamando o meu gaúcho de meu gato. Vou lembrar do nosso passado e planejar nosso futuro. Mesmo de muletas, mesmo com a coluna travada. Talvez ele fique ranzinza, um pouco esquecido, mas que ele seja engraçado. Sempre.

Eu quero o alfa-beta-gama. Começo meio fim. Quero cumprir o meu propósito. Nascer, viver, morrer. E se eu puder não morrer enquanto estiver viva, se eu puder não me matar por dentro quando eu estiver de cabelos brancos, se eu puder ver vida ainda nas mãos enrugadas, aí sim, eu poderei dizer: Eu vivi e agora eu posso partir. 

2 comentários:

Ana Lucia disse...

Nossa Nandra vc arrasou com este texto, confesso que me emocionei e quero ser uma velhinha igual a que vc descreveu.Estou me cuidando hoje para no futuro ser assim.Parabéns pelo texto e continue sempre com o Café com Leite.

BAR DO BARDO disse...

Uma boa forma de envelhecer, sem envilecer.

So good!